Trabalho de Conclusão de Curso - 2008:
A
Imigração italiana e portuguesa no contexto do desenvolvimento da indústria
vinicultora de São Roque e Região
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Na região de São Roque, podemos identificar referências à vitivinicultura desde a sua fundação, por volta do final do século XVII (c. 1657). Conforme informações encontradas e divulgadas pelos moradores da cidade, através da tradição oral, ou mesmo citado pelo Professor Joaquim Silveira dos Santos em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, nessa época toda a região pertencia a apenas três grandes proprietários de terras: Pedro Vaz de Barros, seu irmão Fernão Paes de Barros e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, sendo que Pedro Vaz (tido como o fundador da cidade) se estabeleceu próximo da atual igreja Matriz, seu irmão mais ao norte, onde até hoje ainda se encontra a casa grande e capela Santo Antonio, e por fim a fazenda do padre Guilherme Pompeu se encontrava na hoje atual cidade de Araçariguama que faz divisa com Santana do Parnaíba.
Poucas informações temos em relação ao sucesso ou não dessa empreitada, de trazer uvas portuguesas e adaptá-las ao solo brasileiro e fabricação do vinho
Nas
páginas do romance “A Cruz de Cedro”, do autor são-roquense Antonio Joaquim da
Rosa, identificamos uma referência ao vinho fabricado pelo padre Guilherme
Pompeu de Almeida:
"Augusto de Lara apenas tomou duas colheres de caldo de frango e um gole desse precioso vinho que o Dr. Guilherme fabricava na sua fazenda em Araçariguama e do qual ainda restavam algumas garrafas na adega do colégio, que o gorducho e rubicundo padre despenseiro de quando em quando cedia aos amigos íntimos, em alguns bons momentos, mas não sem grande sentimento da sua garganta e do seu estômago."[1]
Outra
referência a cultura do vinho na região de São Roque nos primórdios da sua
fundação é encontrada na obra do professor Silveira Santos, “São Roque de
Outros”, onde ele cita a obra de Azevedo Marques:
"Foi a casa e fazenda de Pedro Vaz de Barros um povoado tal que bem podia ser vila. Teve grande tratamento correspondente ao grosso cabedal que possuia, entre o qual contava-se uma copa de prata de muitas arrobas. A sua casa era diariamente frequentada de hospedes e parentes, e nella se fabricava a pão e vinho em abundancia."[2]
Esses
poucos relatos à vinicultura, tida mais para uso doméstico do que comercial é
explicada pelo professor Inglez de Souza:
"[...] se essa viticultura limitou-se quase ao cultivo doméstico, com esporádicas finalidades econômicas, saiba-se que isso se deve às razões como mentalidade aventureira, economia colonial e finalmente a absorção das energias do bandeirantismo."[3]Portanto realmente não podemos esperar grandes referências desse período da nossa história, temos que nos atentar que o Brasil era apenas uma colônia e que existiam restrições da fabricação de qualquer tipo de produto em nosso solo, ou seja, em tese tudo deveria vir de Portugal, inclusive o vinho.
Outro
fator que pode ter influenciado e não ter feito prosperar o cultivo da videira
seria a prioridade da época de então, que era a descoberta de ouro,
principalmente na região das Minas Gerais. Sabemos que São Paulo até então era
somente um vilarejo sem grande importância econômica para a metrópole
portuguesa, e se bem analisarmos a história da agricultura brasileira a uva e o
vinho nunca foram tidos como principal interesse por parte de nossos
colonizadores.
Conforme
descreve Lia Alejandra Borcosque Romero em sua dissertação de mestrado para a
Universidade Campinas (UNICAMP): A Vitivinicultura no Estado de São Paulo (1880
– 1950):
“Com a instauração da estrada de ferro em 1875, as condições demográficas e econômicas começaram a se modificar. Os trabalhos de construção da estrada atraíram para São Roque uma população de engenheiros, técnicos, comerciantes, empreiteiros, etc, de várias nacionalidades, que agitaram a vida sãoroquense. Essa situação se consolidou ainda mais com o estabelecimento das oficinas da Sorocabana. A ferrovia intensificou as relações com São Paulo e com o sertão, impulsionando o desenvolvimento demográfico.”[4]
Se
analisarmos São Roque durante esse período de estagnação, veremos que ainda era
apenas um pequeno vilarejo talvez de difícil acesso, e somente com a vinda da
ferrovia, conforme citado por Lia, veio a se tornar verdadeiramente uma cidade.
Após esse longo período de estagnação, o primeiro registro oficial de plantação de uvas na região de São Roque se dá por volta de 1865, quando o Doutor Eusébio Stevaux inicia uma pequena plantação na sua fazenda em Pantojo. Pela mesma época, um colono italiano adquire uma pequena propriedade no bairro de Setúbal, alguns anos mais tarde um português na terra do então Sítio Samambaia forma um razoável vinhedo e inicia o processo de fabricação do vinho.
Em
suma até o início do século XX existiam em São Roque aproximadamente doze
produtores de vinhos, sendo cinco deles italianos.
O
que possibilitou o retorno da cultura da uva e fabricação do vinho foi a
importação de videiras oriundas dos Estados Unidos, pois estas eram mais
resistentes ao clima brasileiro. Dentre as principais videiras trazidas estão
inicialmente a “Izabel” (c. 1830 – 1840),
a “Seibel 2” (importada da França), curiosamente trazida por imigrantes italianos que se instalaram na região e
posteriormente a “Niágara Branca” (c. 1904-1905), oriunda da região do Alabama,
EUA.
Podemos
com certeza afirmar (e isto será motivo de estudo no próximo capítulo deste
trabalho) que a imigração primeiramente italiana (numa escala maior) e depois a
portuguesa, impulsionou grandemente o desenvolvimento da indústria vinicultora
não só são-roquense, mas no Estado de São Paulo como um todo, citando como
exemplo a cidade de Jundiaí que apresenta características de desenvolvimento
bem parecidas com a cidade de São Roque.
[...] “É quase certo que vários lavradores, sobretudo portugueses e italianos, começaram simultaneamente suas tentativas nesse ramo agrícola, entre 1880 e 1890[..]”.[5]
Portanto, podemos dividir o período da cultura vinícola são-roquense, desde a fundação de São Roque até a época atual em quatro fases distintas, conforme demonstrado na figura abaixo.
1ª fase: c.1657 – c. 1880: importação
de videiras portuguesas, plantações domiciliares, sem qualquer cunho comercial,
ou seja, somente para consumo próprio.
2ª fase: c.1880 – c. 1900: Retomada
da viticultura são-roquense, ainda que amadora, quase que familiar, continua
voltada basicamente para o consumo e pequeno varejo. Já apresenta uma tendência
a profissionalização graças às técnicas trazidas pelos imigrantes italianos e
portugueses. Já se utiliza da videira americana que melhor se adaptou ao clima
tropical brasileiro (talvez seja este um dos principais fatores de sucesso do
cultivo da uva na região de São Roque);
3ª fase c.1900 – até
aproximadamente final da década de 1950: processo de industrialização
e profissionalização da produção do vinho com aplicações de técnicas mais
modernas permitindo assim obter resultados e performance melhores.
Podemos
dividir esta fase primeiramente num período de início do processo de
profissionalização e logo após (a partir da década de 1920), o período em que
realmente a região investiu e desenvolveu as técnicas vinicultoras, durando até
aproximadamente a década de 1950, onde após a massificação da produção entra
num processo de decadência.
4ª. fase (década de 1960 –
atual): esta fase engloba o processo de decadência da
viticultura são-roquense. Por motivos econômicos e climáticos e podemos até
mesmo afirmar que por falta de investimentos em pesquisas, que se reduziram
sensivelmente tanto a qualidade como a quantidade de vinho produzido, levando ao
fechamento de diversas adegas (isso principalmente a partir da década de 1980).
São Roque permanecendo hoje somente com o título de “terra do vinho”, sendo que
os poucos fabricantes que restaram (aproximadamente treze adegas) fabricam seu
vinho não de uvas nativas de São Roque, mas sim oriundas de outras partes do Estado
ou mesmo de outros estados (exemplo: Rio Grande do Sul).
Há
atualmente um movimento para tentar a reversão dessa situação, porém continua
bem modesto em relação a todo o histórico e números do passado no ápice do
cultivo da videira em São Roque.
Na
tabela e no gráfico a seguir podemos ver nitidamente o crescimento,
principalmente a partir da década de 1920, a qual o maior número de imigrantes
italianos se instalou na cidade de São Roque, e um crescimento realmente
expressivo a partir da década de 1940; em suma, em 43 anos a produção de vinhos
aumentou 606%, uma média de 14% ao ano. Utilizando-se de um período menor para
análise, comparando a década de vinte com a década de quarenta, ou seja, em
vinte anos, percebemos um aumento de 274%.
Com isso podemos com certeza afirmar que a produção do vinho deixou de ser simplesmente para consumo próprio ou venda ‘entre conhecidos’, para se tornar efetivamente um negócio, uma indústria, que alavancaria a cidade por um longo período.
Fonte: MATTOS, Dirceu de
Lino, “Vinhedos e Viticultores de São
Roque e Jundiaí”, São Paulo, 1951, p.49
Perceba
no gráfico a seguir a curva de crescimento ocorrido a partir da década de 1920.
Fonte: MATTOS, Dirceu de
Lino, “Vinhedos e Viticultores de São
Roque e Jundiaí”, São Paulo, 1951, p.49
Um
dos fatores que possibilitaram que a vitivinicultura em São Roque tomasse
proporções profissionais foi quando em 1928 (provando a tese de que foi a
partir da década de 1920 que a indústria vinífera se profissionalizou), durante
o governo de Julio Prestes, é fundada a Estação Experimental de São Roque, que
durante muitos anos faz experimentos com diversos tipos de videiras, enxertos e
misturas dos diversos tipos de vinhas já existentes na região e outras
importadas da Europa ou mesmo da América do Norte; o resultado dessas pesquisas
era a distribuição de castas de parreiras aos produtores locais que poderiam
aprimorar o cultivo da uva e produção do vinho.
A
cidade de São Roque nesse período áureo esteve num estágio de
profissionalização da produção do vinho, chegando até mesmo a se criar um curso
específico para viticultura e enologia, ministrado através da Cooperativa
Vinícola e Agrícola, o qual era dirigido pelo Dr. Antonio Picena.
“A Estação Experimental dispunha de uma pequena adega, onde são vinificados as variedades para determinação de suas principais características enológicas.” [6]
Próximo
do ápice da indústria do vinho são-roquense, foi realizada em 1942 por
iniciativa do Dr. Cláudio Cecil Roland, a primeira “Festa do Vinho de São Roque”,
inicialmente no local onde hoje se encontra o Largo dos Mendes, na época
chamado “Campo da Associação”. Festa esta que atraía pessoas de todo o Estado
de São Paulo, fazendo com que o vinho são-roquense se tornasse conhecido
nacionalmente (ainda hoje São Roque é conhecida nacionalmente como a “Terra do
Vinho”). Um fator crítico nesse processo foi a massificação e popularização do
processo de produção, ou seja, para atender a demanda tornou-se necessário o
aumento da produção, pecando-se assim na qualidade do produto e na
infra-estrutura de atendimento das pessoas que vinham a São Roque para
participar da festa.
Talvez esse tenha sido o período em que mais surgiram indústrias vinícolas na região. Em 1956 existia um total de 93 produtores entre grandes e pequenos proprietários. A Tabela a seguir demonstra como estava dividida a indústria vitivinicultura são-roquense neste período, em apenas oito anos a produção aumenta 237%.
Fonte: MUNICÍPIO DE SÃO
ROQUE, Almanaque 3º Centenário, 1957
As
dezessete maiores empresas viticultoras da região de São Roque eram
responsáveis por 63% da produção de vinho, sendo que os demais 76 produtores
representavam apenas os outros 37%, ou seja, dos mais de seis milhões de litros
produzidos neste ano, somente 2.400.000 vinham da pequena indústria vinífera.
Diante destes números podemos chegar a conclusão que a alavancagem da produção vinífera
da região de São Roque alcançou proporções industriais e, como citado neste
trabalho, nem sempre a quantidade se torna sinônimo de qualidade, conforme
pode-se notar a seguir através da citação que Lia Alajandra faz em sua tese,
tendo como fonte o “Relatório do Instituto Agronômico de Campinas”.
“Prescutándo-se com serenidade a situação de desprestígio em que se acha a indústria vinícola pàulista, ressalta logo aos olhos, como causa primordial, a inferioridade da matéria prima de que são originados os nossos vinhos. [...] Partindo-se da Seibel 2, colhida nos nossos maiores centros vitícolas, com menos de 10 % de açúcar e elevadíssima acidez tartárica, não é possível senão chegar-se a uma bebida prejudicial à saúde pública. Bastante expressiva nesse particular é a estatística do Servício Sanitário, pela qual se prova que num espaço de tempo de 10 anos apenas ingerido zurrapa.”[7]
Assim,
após um longo trabalho e intensa fiscalização, aparentemente essa situação
acabou por se resolver e após alguns anos e numerosas análises de vinhos de São
Roque acusavam notável diminuição do grau de acidez, que era o principal índice
da qualidade da bebida.
“Os vinhos do município são ultimamente mais harmônicos, menos agrestes, mais conserváveis pela aplicação de boas regras econômicas, pela regularização da fermentação alcólica, pelo desengaço da uva. Observa-se em São Roque outro facto curioso e muito significativo: o pequeno viticultor, por mais necessitado que esteja de dinheiro, já não vende, como poucos annos atras, os seus vinhos quinze dias após a fermentação tumultuosa, lançando no mercado vinhos-mostos, ainda fermentando lentamente, desagradáveis, laxativos. Já aprendeu a dominar sua ansia ou sua necessidade e a expor à venda um produto acabado, senão envelhecido, ao menos descansado e limpo.” [8]
Referências:
[1] ROSA, Antonio Joaquim
da, “Prosa e Poesia”. Biblioteca
Academia Paulista de Letras. São Paulo, 1986, p. 82
[2] SANTOS , Joaquim
Silveira, São Roque de Outrora, Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume XXXVII, 1939, p.218
[3] DE SOUZA, J.S.
Inglez, “Origens do Vinhedo Paulista”,
1959. Prefeitura Municipal de Jundiaí, p.64.
[4] ROMERO, Lia Alejandra
Borcosque. A Vitivinicultura no Estado de
São Paulo, p. 164. Dissertação Mestrado Universidade de Campinas (UNICAMP),
2004.
[5] SOUZA, J. S. Inglez, “Origens do Vinhedo Paulista”, Jundiaí. 1959,
p. 116
[6] MUNICÍPIO DE SÃO
ROQUE, Almanaque 3º Centenário, 1957.
[7] ROMERO, Lia Alejandra
Borcosque. A Vitivinicultura no Estado de
São Paulo, Dissertação Mestrado Universidade de Campinas (UNICAMP), 2004,
p. 216, em referência ao Relatório do Instituto Agronômico de Campinas. Estação
Experimental de São Roque. Ano 1940.
[8] ROMERO, Lia Alejandra Borcosque. A Vitivinicultura no Estado de São Paulo, Dissertação Mestrado Universidade de Campinas
(UNICAMP), 2004, p. 216, em referência a
REVISTA DE AGRICULTURA DE PIRACICABA. O desenvolvimento da viticultura... Op.
Cit. p. 447
[9] ROMERO, Lia Alejandra Borcosque. A Vitivinicultura no Estado de São Paulo, Dissertação Mestrado Universidade de Campinas (UNICAMP), 2004, p. 6.
[9] ROMERO, Lia Alejandra Borcosque. A Vitivinicultura no Estado de São Paulo, Dissertação Mestrado Universidade de Campinas (UNICAMP), 2004, p. 6.
poderia por gentileza me enviar o texto completo de: Trabalho de Conclusão de Curso - 2008:
ResponderExcluirA Imigração italiana e portuguesa no contexto do desenvolvimento da indústria vinicultora de São Roque e Região,
o link está com erro. obrigada.
Boa noite, mando sim ... porém preciso do seu email.
ExcluirAbs.
Ótimo texto! Poderia me enviar o trabalho completo? O link não está funcionando.
ResponderExcluirAgradeço desde já,
Julio Soares
soares.julio17@gmail.com
Excelente pesquisa. Gostaria de visualizar completo.
ResponderExcluirlanerlenk@gmail.com
Grato
Oi, eu gostaria do completo também, por favor... Muito bom trabalho, parabéns! eformica@gmail.com
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